sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sopro d´ Alma

A vida decorre. Por vezes corre, outras vezes vai latejando ao jeito do sabor dos dias...

A alma finalmente serenou-se e tranquilizou-se. Custou-lhe muito esgotar-se nas palavras, mas aconteceu. O momento em que isso aconteceu foi gelado, sem uma pinga de sangue. Como se tivesse secado algo dentro de si ou se tivesse cristalizado o afecto em tom de mágoa e ressentimento. O amargo de boca que lhe ficou custa a passar. As lágrimas que em tempos deslizavam em catadupa paráram de correr, de um dia para o outro, pode mesmo dizer-se que a torneira secou. 
Aquele pedaço de tarde na bilheteira da Fnac do Colombo ficar-lhe-á para sempre, como o momento em que a estalada final tinha de ser recebida. Tonta, ela que imaginou toda empolgada que seria um reencontro engraçado, irem assistir juntos ao concerto do Jorge Palma no Olga Cadaval. Ia oferecer-lhe o bilhete e até achou que ele pudesse ter saudades da companhia dela. Não,  ela não é louca, nem perto disso, um mês antes ele tinha-lhe dito que sim, que tinha saudades dela.
E aquele duro fim de tarde na Fnac do Colombo...
E ela que vinha tão contente por ter estado uma hora antes numa consulta de rotina no dermatologista que lhe disse que os seus sinais estávam todos bem e que não era preciso ir uma vez mais "à faca". É sempre um alívio, para quem passou por um dos mais malignos cancros de pele, o melanoma, com apenas 16 anos, dos frágeis e complicados, que muito contribuíram para que ela fosse aquilo que é hoje.

E a vida tem decorrendo. Ela já não se sente "orfã" dele, nem "coxa" por lhe faltar algo que a ajude na caminhada da vida. Ele, que em termos vendeu-lhe a ideia de que na vida não existem impossíveis e fê-la acreditar que não iria abandoná-la nunca porque o amor a ser, é incondicional. Mas bastaram dois anos depois, certamente repletos de muitas frustações e rodízios ocasionais pela frente para que ele resolvesse adoptar uma postura para com ela, de que é uma pessoa fria, indiferente, gélida de sentimentos e sem nenhuma consideração, educação e simpatia. A forma como ele a tratou da última vez só se faz mesmo a uma rameira que se conheceu numa esquina qualquer da vida. A ela custou-lhe muito viver durante tanto tempo, sentindo que ele foi simultanemente o homem de quem já teve o melhor e o pior. A ela ainda lhe assiste a mágoa de ter ouvido dele as palavras mais incrivelmente sentidas e bonitas e simultânemente as mais cruéis, vulgares e de baixo nível, que alguma vez ouviu de alguém. Foi custoso aceitar esta dualidade. Foi difícil viver nos opostos. Foi de loucos aceitar que o homem que mais gostou dela e o homem de quem ela mais gostou na vida, é o mesmo que mais a desprezou, que menos consideração e estima lhe tem.

E a vida vive-se. E tem-se vivido em paz, em harmonia, em jeito de sarar as magoas de um coração bonito, sincero, gracioso e repleto de Bem.

 E depois acontecem coisas estranhas na vida que a deixam a estremecer e com um tremendo aperto no coração.
Ela está a referir-se às tragédias e bastou-lhe agora saber do desaparecimento trágico e completamente incompreensível, difícil de aceitar, de um dos mais brilhantes compositores e pianistas portugueses, Bernardo Sassetti, para ela parasse por uma vez mais, para pensar na essência e no significado da vida. E é nessas alturas, que os olhos dela ficam rasos de água, que o seu coração começa a bater descompensadamente dentro do medo interior que é a possibilidade de perde-se assim alguém de quem se gosta muito, de um minuto para o outro, sem se ter tido contacto ultimamente, sem se ter tido nos últimos tempos por companhia, sem se ter dito tudo o que está entalado, sem se fazerem pazes e sem se conseguirem reparar magoas passadas. E ela sente medo e sente-se pequena, dentro da grandiosidade que ela é, até porque lá no fundo, ela acredita que um dia destes ele cresce, amadurece por dentro e caí em si, percebendo que há pessoas que tocam as nossas vidas para sempre e que são essas que queremos manter dentro de nós, fazendo parte da nossa vida. E que a vida é uma festa, que deve ser celebrada em concertos, com hinos à dádiva do existir. Que a amizade é o mais nobre sentimento da vida e que devemos estimar e tratar bem quem bem nos quer.

E depois disto escrito ela volta a serenar-se e a focar-se em viver o seu caminho da Verdade que tanto lhe dá, a cada dia que passa. E é em gratidão que vive. E é em aceitação que respira. Mas é também em recompensa que grata acorda e se abraça, a si e ao mundo todos os dias, quando acorda.

E ela disse-lhe que tem pena dele e é verdade e vai continuar a ser assim ... até ao dia em que ele perceba a essência da vida, tal qual ela é... chama-se perdão e chama-se não ter mágoa e são duas coisas que ele ainda não sabe ter em relação a ela.

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